Tombamento e o dever de indenizar.

1 de março de 2023

SUMÁRIO deste estudo sobre tombamento e o dever de indenizar:

I. Resumo.  II. Breve Histórico do Tombamento III. Elementos Constitutivos do Tombamento e o Princípio da Vinculação. IV. Tombamento Voluntário e Tombamento Forçado de Bens de Particulares. V. Direito de Propriedade e Consequências Jurídicas e Administrativas do Tombamento de Bens de Particulares. VI. Tombamento e Dever de Prévia e Justa Indenização Por Esvaziamento Econômico do Bem Tombado. VII. Antecipação de Tutela Para Depósito do Valor do Bem Tombado. VIII. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. XI. Considerações Finais.      

I. Resumo – tombamento e o dever de indenizar .

Então o presente artigo sobre o tombamento e o dever de indenizar tem por escopo demonstrar por raciocínio lógico dedutivo e indutivo com fundamento na doutrina e na construção jurisprudencial, que o ato administrativo de tombamento de bens particulares é um ato de força

E assim sendo, no mais das vezes o tombamento de bens de particulares se contrapõe e ofende diretamente ao direito de propriedade.

Existe assim, o entrechoque jurídico de dois comandos de natureza e fundamento constitucional. Um principiológico (o direito de propriedade), o outro não (o tombamento).

Desta forma, sempre que o tombamento de bens particulares não for voluntário, o Estado estará interferindo diretamente na propriedade privada (bem patrimonial) das pessoas físicas e/ou jurídicas.

Enfim, essa intervenção causa limitações e mesmo restrições (absolutas e/ou relativas) ao direito de propriedade, de uso, gozo e fruição do bem imóvel, móvel (ou equivalente), bem como ao direito de edificação.

Portanto, sempre que o tombamento acarretar ônus e/ou prejuízos de qualquer natureza ao particular, surge em favor deste mesmo particular (seus herdeiros e sucessores), o direito de ser(em) ressarcido(s).

O ressarcimento deve acontecer na amplitude, frequência e extensão do dano que estiver(em) suportando.

Como consequência surge o dever do Estado (União, Estado Membro, Município ou quaisquer das suas entidades da administração direta ou indireta, fundacional ou autárquica) de proceder à prévia e justa indenização

E essa indenização deve ocorrer na proporção do dano causado e/ou nas perdas diretas e/ou indiretas suportadas pelos proprietários e/ou detentores de direitos reais ou equivalentes.

Inclusive danos morais e perda de oportunidades.

Palavras chave: Tombamento; Tombamento de Bens Imóveis; Tombamento de Bens Móveis; Esvaziamento Econômico de Bem Imóvel pelo Tombamento; Tombamento e Prévia Indenização; Tombamento e o Dever de Indenizar.

II. Breve histórico do tombamento.

O fundamento básico do tombamento é a proteção de bens materiais e imateriais de interesse da coletividade.  Este fundamento se subdivide em duas espécies: fundamento político e fundamento jurídico.

Sempre que há uma intervenção estatal (por quaisquer dos entes da administração direta e/ou indireta) de modo a interferir no direito de propriedade privada, consagrado pela Constituição Federal em seu art. 170, com o objetivo de proteger interesses da comunidade, contra qualquer conduta que possa ser caracterizada como sendo antissocial levada a efeito direta ou indiretamente por um particular, estamos diante de um fundamento político. 

De fato, sempre que por determinação de uma lei, ou norma equivalente, de natureza Constitucional ou infraconstitucional, houver um comando cogente (de cumprimento obrigatório portanto), no sentido de ordenar o tombamento de um bem, estamos diante do fundamento jurídico.

a. Origem do tombamento

Em suma o tombamento é ato que tem origem, portanto, na proteção do interesse coletivo e existe desde os primórdios da civilização humana.

Neste sentido há referências sobre sua normatização em vários sistemas jurídicos, em vários países e em várias épocas da história.

A guisa de ilustração já há referências em textos bíblicos das reservas de propriedade advindas a salvaguarda dos territórios dos túmulos em favor de tribos e mesmo de famílias.

Alguns historiadores entendem que neste movimento surgem de forma concomitante os institutos da propriedade e do tombamento. 

b. O sistema jurídico brasileiro

De acordo com o sistema jurídico brasileiro, o Poder Público pode limitar o direito de propriedade assegurado ao particular, de acordo com o artigo 170 da Constituição Federal de 1988, em prol do bem social.

O direito de propriedade sofreu larga mutação com a evolução da sociedade.

Como resultado perdeu parte de seu caráter individualista[1], mas sem deixar de lado a característica Constitucional e totalmente dependente da previsão legal, respeitando assim o principio da legalidade no qual ampara o direito administrativo.

O Poder Público tem como finalidade, quando intervém na propriedade privada, satisfazer as exigências coletivas e inibir conduta antissocial do particular.

Ou seja, à proteção aos interesses da comunidade, isso como já dito, instituído pela CF e amparado por leis federais que disciplinam as medidas interventivas e estabelecem o modo e forma de sua execução.

Porém, existem casos onde é dispensada a legislação, por se tratar de casos excepcionais como estado de sitio e defesa[2].

III. Elementos constitutivos do tombamento e o princípio da vinculação – tombamento e o dever de indenizar

O tombamento deve estar sempre direta e intimamente vinculado aos seus elementos fundamentais, que – como referido – tem natureza política ou jurídica.

Desde logo fica claro que será absolutamente nulo, qualquer ato de tombamento que não cumpra estes 2 fundamentos essenciais ao tombamento.

Além destes fundamentos, devem ser observados rigorosamente, outros elementos que compõe o conjunto de atos administrativos de cumprimento obrigatório que caracterizam o chamado processo administrativo de tombamento.

Sendo o tombamento um ato de força do Estado que impõem obrigações, condutas, limites, restrições ao uso, gozo, fruição, edificação, comercialização (dentre outros direitos) do bem pelo particular.

Depois que o particular que tem um bem seu tombado, passa a ter contra si, uma espada constantemente apontada, dizendo que ele tem obrigações de não fazer com relação ao seu direito de propriedade e seus reflexos jurídicos sobre o bem constrito.

Assim compreendido – quando se trata de bem imóvel – não só os prédios, mas todos os chamados entornos, ou sítios arquitetônicos são atingidos pelas restrições do tombamento.

Em outras palavras, o Estado determina que a partir do tombamento, determinado bem passa ser de propriedade, não só do proprietário originário, mas de toda a coletividade.

Veremos que no mais das vezes, que está é uma atitude injusta, nociva ao direito de propriedade e onerosa ao particular, que fica com todos os ônus incidentes sobre o seu patrimônio, em troca de malfadados e inaproveitáveis bônus.

IV. O Tombamento na Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal estabelece em seus artigos 23, inciso IV, 24 inciso VII e 216 Parágrafo Primeiro, as linhas gerais do que define como bens passíveis de serem tombados.

O tombamento sempre deve se dar (ou o ideal é que sempre fosse assim), em proteção de bens que tenham vinculação direta e comprovada com o que se chama de importância histórica, etnográfica (em relação à etnia), cultural, artística ou paisagística para a sociedade, seja ela o conjunto da sociedade brasileira, ou de parte dela, com características regionais, de uma coletividade, ainda que de forma difusa ou individual homogênea.

Há a possibilidade também, de tombamento de bens públicos, que pertençam ao governo (federal, estadual ou municipal, suas empresas, fundações ou autarquias). O que, conforme sabemos, é raro…

Nosso ordenamento jurídico não permite o tombamento de bens pertencentes a outros países.

V. Tombamento e processo administrativo prévio

O importante é destacar que o tombamento exige um processo administrativo prévio, cuidadoso e criterioso, que é regido por um conjunto de leis que tem sua origem nos artigos citados da Constituição.

Estas leis podem ser Federais, Estaduais ou mesmo dos vários Municípios brasileiros.

Porém, todas estas leis, para não incorrerem em inconstitucionalidade, devem observar com todo o cuidado, fundamento científico e probatório, o princípio da vinculação

Ou seja: para tombar um bem, este bem tem que terprova inequívoca e inquestionável de vinculação e importância histórica, etnográfica, cultural, artística ou paisagística para a coletividade.

Pode ser só um destes requisitos.

Contúdo, faltando este(s) requisito(s), não há o que se falar em tombamento.  Não se pode tombar, por exemplo, uma casa somente por ela ser velha, ou esteticamente bonita.

Assim, se lhe falta a vinculação a algum fato histórico, etnográficio, cultural, artístico ou paisagístico não há o que se falar em possibilidade jurídica do tombamento.

E observe-se que esta vinculação tem que atender ao interesse coletivo.  

O processo de tombamento exige aquilo que a Constituição denomina de devido processo legal prévio, para o qual o proprietário deve ser intimado para, antes que se processe o registro e a oficialização do ato jurídico de tombamento, possa exercer o direito de ampla defesa.

Acima de tudo o(s) interessado(s) podem demonstrar a ausência dos elementos constitutivos do instituto jurídico.

A falta deste devido processo legal gera, por consequência, a nulidade absoluta do tombamento, e pode ser invocada em juízo via ação própria.

VI. Tombamento voluntário e tombamento forçado de bens de particulares.

O tombamento pode ser forçado (também conhecido como compulsório) ou voluntário.

a. Tombamento volutário

Sempre que o proprietário de um bem requerer a qualquer ente do Estado com capacidade jurídica para tal, que determinado bem de sua comprovada propriedade seja tombado estaremos diante de um tombamento voluntário.

De maneira idêntica, será voluntário, também, o ato de tombamento que receber do proprietário uma manifestação de concordância com a decisão do poder público de tombar seu patrimônio.

Fique claro, que também o tombamento voluntário deve observar os requisitos legais da vinculação e formulação processual administrativa regular e válida dentro do due process of law administrativo.

b. Tombamento forçado

Em contrapartida sempre que ocorrer o tombamento de um bem, sem a concordância do(s) proprietário(s), por ato de força do poder público, estaremos diante de um tombamento forçado ou compulsório.  

Com efeito, o Estado então pratica um ato que quer dizer ao particular que, a partir daquela decisão, ele – o particular – passa a ter severos e graves limites no exercício do seu poder/direito de propriedade em favor da comunidade.

Dessa forma cabe a ele – particular – uma série de obrigações que passam a incidir sobre o bem tombado, seu entorno ou sítio arquitetônico.

Embora a lei diga que o proprietário do bem tombado não deixa de ser dono da coisa, isso na prática não é bem assim.

VII. Tombamento e o ônus ao(s) proprietário(s)

Com toda a certeza no mais das vezes o tombamento é sempre um ônus que traz prejuízos, obrigações e esvaziamento econômico de ordem material e emocional ao(s) titular(es) do direito de propriedade.

As restrições ao direito de propriedade são tão onerosas e graves, que em algumas situações, há proibições, por exemplo, de deixar o bem desocupado ou vazio, obrigação de reparar qualquer dano, de não cortar árvores ou modificar o entorno, não reformar, não edificar.

Como resultado, por vezes, não pode mudar a cor das paredes ou trocar o telhado, etc, conforme veremos adiante.

E, de fato, quando pode, precisa preceder estas conservações de rígidas, burocráticas e caríssimas autorizações administrativas, que geralmente levam tanto tempo que quando autorizadas a coisa já se deteriorou.

Autorizações estas, geralmente efetuadas por “especialistas “em restauros, que cobram fábulas por projetos tidos por “especiais”, mesmo sendo simples troca de telhas.

Não raro é muito comum que os bens tombados tragam sérios, pesados e insuportáveis ônus aos seus proprietários, causando-lhes prejuízos de ordem econômica, danos e perdas patrimoniais de grande monta.

Do mesmo modo, surgem ônus excessivos e obrigações não só de natureza econômica, mas também comportamental e emocional, com riscos, inclusive, de reflexos de natureza penal caso não “cuide, proteja, conserve e mantenha, em benefício da coletividade, o que sempre foi seu e que passou a ser de todos”.

Ser dono de um bem tombado no Brasil, é ficar com o “mico preto” na mão.

VIII. Tombamente e transferência de propriedade do bem

Para vender o bem tombado, o órgão ou ente público que tiver procedido ao tombamento, (União, Estados ou Municípios) terá direito de preferência, observado, entretanto o valor correspondente, que deverá ser precedido de rígidos controles de avaliação, determinados pela lei caso a caso.

Quando estes entes não querem adquirir levam anos para avaliar e dar uma posição definitiva que autorize a venda para terceiros.

O Poder Público, o Ministério Público e mesmo qualquer do povo, passam a ter o direito constante de proceder a inspeções sobre o bem tombado.

Isso tudo com o propósito, se for o caso, de ordenar consertos, restauros e mesmo reformas que visem à manutenção do bem tombado, mesmo que o(s) proprietário(s) não concorde(m) ou não reúna(m) condições de arcar com os custos respectivos.

Só para ilustrar, existem situações absurdas onde juízes ordenaram que os proprietários (sem condições financeiras) reformem imediatamente prédios tombados em ruínas as suas custas, sob pena de multas diárias de milhares de reais.

IX.- Tombamento e acesso aos fundos de manutenção

Por fim, algumas leis referem que o(s) proprietário(s) do bem tombado, passa(m) a ter direitos de acesso aos chamados fundos de manutenção dos bens tombados instituídos aqui e acolá.

Nada disso se vê como legítimo e válido ou funciona na prática.

Assim sendo, o que se vê é na prática é que o(s) dono(s) do bem tombado deve(m)manter o bem, evitando até mesmo que terceiros impeçam a sua visibilidade e o acesso as suas dependências.

Com toda certeza, em casos extremos dos quais temos conhecimento, nem mesmo o sagrado direito de habitação decorrente do uso do imóvel para moradia familiar é respeitado.

Em síntese, há uma verdadeira invasão e quebra deste preceito Constitucional, com um entra e sai de “autoridades” e agentes fiscalizadores que não tem fim.

Dessa forma se consuma um estado de perturbação do sossego, da segurança e do sagrado direito de propriedade em prejuízo do(s) proprietário(s).

X.- Tombamento e prova dos requisitos essenciais

A guisa de comentário, o que a Constituição Federal considera de valor histórico e artístico, para fim de proteção do patrimônio cultural, são as obras intelectuais no domínio da arte e os documentos e coisas que estejam vinculados a fatos memoráveis da história.

Ou que apresentem excepcional valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico, artístico ou mesmo religioso.  

A autoridade administrativa ao decidir pelo abertura do processo de tombamento deve fazer constar na notificação de forma descritiva e criteriosa, devidamente fundamentada em fatos, datas, provas documentais irrefutávies e outras.

Ou seja, não só alegar, mas provar documetadamente e com fundamento técnico irrefutável no que consiste o inestimável valor histórico-cultural do(s) imóvel(is) ou bens gravados pelo tombamento.

Assim também em relação aos bens móveis – só para ilustrar – como obras de arte, invenções, marcas e patentes, peças de decoração, instrumentos musicais, livros, vestimentas, joias, etc.

XI. Tombamento e rigores do processo administrativo

Com efeito, o tombamento se realiza através de um procedimento administrativo vinculado.

Dessa maneira, vale dizer: somente os imóveis e bens móveis que estiverem rigorosamente dentro das condições previstas e exigidas pela lei poderão ser tombados.

Ou seja: deve haver um vínculo entre as características e condições do bem tombado e as condições impostas pela lei.

Este vínculo não pode ser presumido.

Este vínculo tem que ser fundamentado e prévia e claramente demonstrado e comprovado no processo administrativo prévio

Em outras palavras o ato administrativo de tombamento não se insere dentre aqueles caracterizados como de mera discricionaridade do agente público.

O processo administrativo de tombamento do imóvel será nulo de pleno direito (e não anulável), se não houver a observância destas exigências legais. 

De qualquer sorte, o tombamento e o dever de indenizar são atos vinculados.

XI – Nulidade do processo administrativo – tombamento e o dever de indenizar

Então a simples inobservância da justificativa administrativa do ato de tombamento, de modo a demonstrar – claramente – o preenchimento das condições impostas pela lei e o enquadramento do imóvel dentro destas condições, já torna o ato nulo e sem efeito.

Em princípio a teor do disposto no artigo 166 do Código Civil Brasileiro: “É nulo negócio jurídico quando: IV – não revestir a forma prescrita em lei”.

Dessa forma, a matéria está inserida dentro do contexto de norma administrativa, sendo, portanto, cogente (de ordem pública).

De modo que não comporta emendas nem interpretações extensivas, já que o agente público está obrigado a fazer somente o que a lei autoriza.

Para caracterizar o tombamento faz-se imperativo a presença e a vinculação de dois requisitos essenciais ao ato: motivo e a finalidade.

XII – Breve doutrina sobre o tombamento e dever de indenizar

Certamente doutrinador Antônio A. Queirós Telles[3], abordou a matéria com precisão. Assim expõe:

Razões de fato, porque deverá expor e justificar as circunstâncias históricas, artísticas, arqueológicas, etnográficas, bibliográficas, ou paisagísticas, que envolvem determinado bem tornando-o, dessa forma, suscetível de integrar o patrimônio nacional, de acordo com o art, 1º do decreto-lei 25/37.”

Neste liame, ainda, explicita o citado doutrinador:

“Em sendo obrigatória a motivação, o ato administrativo desprovido desta será passível de invalidez que poderá existir, também, se os seus motivos forem havidos por insuficientes, ambíguos, obscuros, incorretos.”

Inegavelmente no que concerne à finalidade, a autoridade competente não deverá agir, salvo se restar por certo que há interesse geral da sociedade.

José Cretella Júnior citado por Queirós menciona irretocavelmente que:

“Na realidade, só se justifica o tombamento de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da História do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. E é, exatamente pela inobservância da finalidade, inclinada, imperiosamente, para a satisfação do interesse geral, que podem se verificar vícios, ilegitimando o ato.”

Os ditames de Luciano Artur Hutzelmann[4], em sua monografia, a qual tem como título “O Tombamento na Constituição Federal de 1988”, reforçam este entendimento:

“O que qualifica um bem como sendo cultural não é só a sua ligação com os costumes, folclore, bens artísticos do povo, mas que este bem  possua um valor que lhe grave com uma acentuada importância e que, por isso, o conduza à elevada categoria de cultural.” 

O ato administrativo que determina o tombamento de imóvel deve elucidar o motivo, e a finalidade, exigidos na lei, tudo de forma fundamentada como manda a Constituição Federal do Brasil.

XIII – Direitos do(s) proprietário(s) do bem tombado

Sempre que ato de tombamento acarretar obrigações, ônus e/ou limitações aferíveis de qualquer espécie, depreciação econômica direta, indireta ou reflexa do(s) bem(s) tombados; e/ou até mesmo desconfortos emocionais à(s) pessoa(s) de sua(s) titularidades, caracterizando uma restrição individual frente à coletividade, reduzindo direitos do(s) proprietário(s), impondo-se-lhe(s) encargos, ônus ou obrigações, estará presente o dever de indenização prévia e justa na proporção da depreciação e das perdas e dos danos atuais ou emergentes verificáveis.

Certamente a busca destes direitos do(s) proprietário(s) ainda é nova no Brasil. Mas é justa.

E dia a dia a sociedade vai evoluindo na perseguição destes direitos.

Como comentário, reforçamos nosso entendimento de que o ato de tombamento muitas vezes é um desincentivo à preservação de bens com valor histórico, cultural, etnográfico, e outros.

Assim, se pode observar na prática, que em muitos casos o tombamento cria graves burocracias e ônus aos proprietários.

Além do mais, o ato de mera possibilidade de tombamento amedronta o(s) proprietário(s), levando-o(s), não raro, à prática de atos de radicalismo de apressadas, desnecessárias e perniciosas demolições clandestinas.

Então, esse cenário proporciona imensoso prejuízos à memória histórica, cultural, etnográfica do país, de Estados e de cidades.

Ou seja: um tiro no pé da preservação da memória nacional e de várias regiões do país.

Os tombamentos indiscriminados e irresponsáveis de vários imóveis, Brasil afora, sem critério algum, levaram à inúmeras agressões a imóveis antigos e com especificações dos valores contidos na lei (com medo de que fossem tombados).

Supreendentemente esse bens poderiam ser poupados, fosse incentivada a sua manutenção com boas leis, como é a lei de incentivos fiscais, lei do solo criado, medidas compesatórias, e outras…

XIV. Doutrina e jurisprudência sobre o princípio da vinculação

a. Doutrina sobre o princípio da vinculação

“O ato estatal não é discricionário. Há o pressuposto de ter valor artístico ou histórico, ou de beleza natural, o bem que se tomba, como monumento ou documento protegido”. [3]

E, ainda:

Só podem ser tombados os bens ligados a fatos memoráveis da história do Brasil ou que apresentem excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico ou, que constituam lugares de feição notável por obra do homem ou da natureza”. [4]

Numa das mais prestigiadas e profundas obras existentes na doutrina brasileira sobre tombamento, Queiros[5] comentando outros autores, parafraseia:

Entendem, assim, estes e outros autores, de igual prestígio, que o tombamento é, em primeiro lugar, ato administrativo. Decorre, vinculadamente, de parecer prévio, acerca das qualidades que justificam a sua materialização”.

Sobre o conteúdo deste “parecer prévio” assim se manifesta o mesmo doutrinador:

Mas, se ao Poder Público se atribui a obrigação de qualificar através do parecer, o bem dotado de características que o tornem suscetível de ser tombado, também é verdade que ao judiciário, cabe decidir se o imóvel inscrito no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IBPC) tem ou não valor histórico ou artístico, não se limitando a sua competência em verificar apenas se foram observadas as formalidades legais no processo de tombamento. “ [6]

b. Jurisprudência sobre o princípio da vinculação

Do mesmo modo sobre o tema, transcrevemos abaixo, o seguinte julgado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

MANDADO DE SEGURANÇA – Ato Administrativo – Tombamento – Imóvel que, em face da prova documental, não apresenta valor histórico, cultural, arquitetônico ou de qualquer outra espécie que justificasse o ato – Violação da lei e desvio de poder configurados – Nulidade decretada – Segurança concedida. (TJSP, 13ª CCív., Relator Paulo Shintate, MS n. 169.174-2).

De todos os elementos citados, a presença de vinculação do ato administrativo, é obrigatória, representando a ausência, ato de nulidade absoluta, pela transfiguração do ato administrativo vinculado em ato de discriminação ilegal.

Assim, o ato de tombamento que não protegeu nenhum bem de notável valor que esteja vinculado a fato memorável da história ou apresente excepcional valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico, artístico ou religioso do Município ou do Estado ou da União não pode prevalecer.

Todo o ato de tombamento que não observe de forma fundamentada o princípio da vinculação deve ser declarado nulo, por sentença.

De tal forma que deve ser determinada a baixa do cadastramento dos imóveis nos livros de tombo mantidos junto aos órgãos públicos.

Em seguida a retirada da inscrição de tombamento junto ao pé das matrículas imobiliárias respectivas.

Assim também com relação aos bens móveis acima referidos.

XV. Direito de propriedade e consequências jurídicas e administrativas do tombamento de bens de particulares

O direito de propriedade é uma garantia Constitucional assegurada aos brasileiros e em alguns casos a estrangeiros também.

Trata-se, na verdade de um dos fundamentos basilares do nosso modelo jurídico que é liberal.

E sempre foi assim, em todas as nossas Constituições brasileiras, de todos os tempos…

Desta forma, o tombamento quando compulsório – denota ato de força do Estado.

Ou seja, tombar significa ir contra o fundamento Constitucional de defesa da propriedade privada.

Isso não significa que o Estado não possa (ou não deva) tombar em certas circunstâncias.

Mas o tombamento, por enfrentar um fundamento da Constituição, deve se revestir de cuidados extremos, e se dar, a nosso ver, preferencialmente em forma de ato legislativo, sob pena de inconstitucionalidade.

Em tese – há a autorização Constitucional para o ato de tombamento.

Todavia, o legislador Constitucional não discriminou que espécie de tombamento está autorizada, quando se tratar de ato não consentido pelos proprietários.

XVI – Conflitos Constitucionais sobre o tombamento de bens de particulares – Tombamento e dever de indenizar

Como se pode perceber, existe, portanto, um conflito entre os dispositivos Constitucionais:

  • um decorrente de um fundamento/princípio constitucional (aquilo que vem e deve ser observado antes de tudo) – base do modelo sócio econômico adotado pelo legislador – garantindo a propriedade, constituindo cláusula pétrea.
  • outro principiológico, decorrente da limitação do uso desta propriedade, como por exemplo, o tombamento.

Ante o entrechoque fático, o fundamento deve prevalecer frente ao princípio.

Desse modo, o tombamento sendo uma restrição ao direito de propriedade precisa de uma legislação infraconstitucional que o regulamente de forma clara.

Assim, sob o prisma exegético (interpretação da norma Constitucional) temos um fundamento pétreo Constitucional contraposto a uma disposição/princípio Constitucional.

O que deve valer mais aos olhos do exegeta?

Com toda a certeza e segurança deve prevalecer o fundamento – cláusula pétrea – base do sistema.

Por quê?

Porque ao administrador interessado pelo tombamento, quando não voluntário ou consentido, ainda cabem recursos. 

E que recursos são estes?

Um deles é estabelecer o tombamento através de processo legislativo, onde os elementos constitutivos do ato de tombar e inerentes ao bem tombado, podem ser analisados de forma não discriminatória pelas casas legislativas.

Neste sentido é a doutrina dos maiores especialistas da matéria, a saber:

“Entendemos, realmente, que o tombamento compulsório deveria revestir-se da forma de ato legislativo, de lei. Só ela pode criar direitos e obrigações.

Sob o nosso discernimento, uma restrição a um direito constitucionalmente previsto – de propriedade -, igual e necessariamente deveria decorrer de lei .

(…)

Finalmente, acreditamos  que entre o ser e o dever ser, no plano jurídico, podemos nos posicionar no sentido de que o tombamento  compulsório deveria ser processado mediante lei , em cada caso específico, e não sob o ato administrativo . Assim ele melhor se adequaria ao texto maior [7].

Outro deles é o instituto da desapropriação, que também é preceito de natureza jurídica normatizado dentro do limites do Direito Administrativo, com seus requisitos próprios.

VI.  Tombamento e dever de prévia e justa indenização por esvaziamento econômico do bem tombado.

Antes de mais nada o ato administrativo de tombamento é pacificamente reconhecido como um ato de força que limita e restringe o uso da propriedade, causando-lhe diminuição econômica e outros prejuízos e danos diretos e indiretos aos detentores ao direito de propriedade do(s) titular(es) do bem tombado.

Esta desvalorização será bem delineada no item seguinte.

É necessário considerar-se que:

  • ao desvalorizar o patrimônio alheio, o tombamento tolhe o direito de propriedade.
  • o tombamento do imóvel e/ou bens imóveis, geralmente, não é ato de urgência.
  • por interpretação extensiva e analógica da legislação que regula a desapropriação – o tombamento – quando não urgente, exige prévio e justo depósito da desvalorização que acarretar ao imóvel tombado, sob pena de anulabilidade.
  • Este esvaziamento pode e deve ser previamente apurado com a participação dos proprietários.

Os entes públicos devem observar este preceito. Assim, terão cuidados legais ao proceder ao tombamento.

Penso que os agentes públicos, inclusive, devem responder pessoalmente, por danos que causarem ao erário e aos particulares, em decorrência de incorreções técnicas nos processos de tombamento forçado de bens de particulares que venha a ser anulados pela Justiça.

Em resumo, cabe ao Poder Público, quando produz direta ou indiretamente o esvaziamento econômico da propriedade particular, o dever de indenizar os danos causados pelo ato. E ao agente político cabe responder solidariamente pela má gestão e pelos danos causados por seus atos.

Caso contrário, segue ocorrendo o que se constata atualmente : verdadeiras desapropriações travestidas de tombamentos, seguidos de gestuais eleitoreiros e de politicagem.

XVI – Tombamento e esvaziamento econômico do bem tombado

Assim sendo, esvaziamento econômico corresponde a uma limitação da propriedade e está fundamentado em princípios de direito administrativo, como “a igualdade dos ônus dos administrados em face do Estado”.

Por isso o tombamento e o dever de indenizar tem previsão legal.

Da mesma forma e principalmente na “responsabilidade do Estado”, que cinge ao mesmo, a obrigação de não permitir lesões aos particulares resultantes de conduta na gestão da coisa pública.

Desta forma, estes princípios têm o condão de responsabilizar igualmente o Estado – Administração Pública – para que não recaia exclusivamente ao proprietário o ônus de arcar com o cômodo coletivo de preservar o bem tombado. 

Assim, não deve haver sacrifício individual em benefício de toda coletividade, sem a correspondente compensação.

a. Limitação ao direito de propriedadetombamento e o dever de indenizar

O tombamento representa uma espécie de limitação grave dos direitos da propriedade, que implica em um procedimento negativo, de caráter pessoal, que restringe o exercício de direitos individuais em benefício de uma coletividade, recaindo, portanto, sobre o proprietário e não diretamente sobre a coisa.

A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXII, assegura ao particular o direito de propriedade.

Todavia, se o Estado possui o direito de escolher bens a serem tombados se deve reconhecer que este mesmo Estado passa a ter o dever de indenizar seus proprietários, pois, a limitação passa a ser individual, com um gravame de grande intensidade.  

b. Doutrina específica – tombamento e o dever de indenizar

Acerca do tema, o ilustre professor Hely Lopes Meirelles [8], esclarece:

“Se o bem-estar social exige o sacrifício de um ou de alguns, aqueles ou estes devem ser indenizados pelo Estado, ou seja, pelo erário comum do povo.”

 Sempre que o tombamento de um imóvel reduzir-lhe o poder de uso, gozo e fruição, pela necessidade de preservação em prol da coletividade, impedindo de alterar seu estado de acordo com a vontade do seu proprietário estará caracterizado um dano, uma perda, um esvaziamento econômico. Ainda mais se antes do tombamento o status quo da utilização (edilícia, comercial, etc.) do imóvel, era uma; e depois do tombamento, com as limitações havidas o status quo passou a ser outro, mais limitado.

As limitações ao uso do imóvel geralmente são tão severas que, inclusive o entorno – terreno de entorno não ocupado por prédios  – precisa ser mantido, sob pena de pesadas multas

Assim, embora o imóvel permaneça sob domínio e posse dos proprietários, em alguns casos –como referido – sequer pode ser alterado, pintado ou reparado sem a autorização dos órgãos públicos.

Quanto mais receber edificações nas áreas livres de terreno adjacente; ou aumento das áreas já edificadas…

Há casos em que o(s) proprietário(s) fica(m) obrigado(s) a conservar o bem tombado e até a mantê-lo ocupado.

Conhecemos casos em que agricultores idosos foram obrigados a manter moradias rurais edificadas no estilo “enxaimel” obrigados aos custos de reformas, sem reunirem condições físicas e financeiras para isso, sob pesadas ameaças de multas e exposições rumorosas na mídia.

Assim, na maioria das vezes em casos de tombamento de bens imóveis de particulares, deparamo-nos claramente diante de uma limitação de propriedade, que implica depreciação econômica

Essa, por sua vez, deve ser ressarcida da forma mais completa possível, amenizando em parte as restrições sofridas.

c. Redução da capacidade edilícia do imóvel

De conformidade com cada caso, quando o tombamento atinge a integralidade do bem imóvel, assim compreendido prédio e terreno, por exemplo, este impedimento deixa de ser apenas uma limitação para tornar-se uma interdição de uso da propriedade.   

Assim, nenhum particular adquire terreno urbano, ou mesmo rural, em que seja vedada a construção de imóveis e/ou benfeitorias – pois, inutilizado estaria segundo a sua destinação normal e racional.

Se houver terreno vazio, adjacente ao imóvel tombado, não pode receber qualquer construção que impeça ou reduza a visibilidade do bem construído e tombado;

Nem mesmo modificação do ambiente ou paisagem adjacente, modificações da arquitetura e tudo mais que contraste com a harmonia do conjunto; a diminuição do valor edilício estará claramente configurada.

Neste sentido, Meirelles no texto citado afirma: De qualquer ângulo em que examine a matéria, o direito à indenização do proprietário é inegável…”.

d. Extensão das limitações

Com efeito, a propriedade atingida pelo tombamento deixa de equiparar-se a outra qualquer, pois, seus proprietários estão limitados em sua capacidade de exercer direitos.

Além disso, ficam responsáveis pela conservação do bem. Ou seja, são destinatários de pesados ônus.

Como resultado, a coletividade aufere as vantagens decorrentes do tombamento e aos proprietários recaem somente os efeitos negativos.

Em outras palavras, prejuízos esses que são revelados através de imposições de ordem pública, restritivas à livre conservação, demolição e alteração ou alienação do imóvel (esta embora menos intensa).

Antes do tombamento havia um direito de propriedade que era mais amplo e extenso que depois do tombamento. O ato de tombar não veio para aumentar direitos dos proprietários. Veio para sonegar direitos dos mesmos.

Além disso, faz-se necessária a compensação dos danos sofridos pelos proprietários na extensão das limitações impostas.

Ou seja, o tombamento e o dever de indenizar tem amparo jurídico. Neste sentido o ilustre Meirelles, já citado, leciona que:

Em atendimento ao preceito constitucional garantidor do direito de propriedade (CF, art. 5º, XXII), a indenização há que ser a mais ampla possível, abrangendo o justo valor do imóvel, os lucros cessantes e danos emergentes resultantes do impedimento da normal utilização ou exploração do bem tombado.”    

e. Breve compêndio doutrinário e jurisprudencial sobre o tombamento e o dever de indenizar

Antes de tudo este é também o entendimento dos seguintes juristas:

  • Flávio de Queiroz B. Cavalcanti – Tombamento e o Dever do Estado Indenizar .[9]
  • Paulo Affonso Leme Machado – Tombamento – Instrumento de proteção do patrimônio natural e cultura.[10]
  • Hely Lopes Meirelles – Tombamento e Indenização [11]
  • Antônio A. Queiros Telles[12]

Bem como é o entendimento do egrégio Superior Tribunal de Justiça que em decisão exarada nos autos do RESP 220983 decidiu que os proprietários de um casarão tombado no Município de São Paulo deveriam ser indenizados. 

De tal forma que a matéria ganhou notoriedade na imprensa nacional e acabou sendo apreciada pelo egrégio Supremo Tribunal Federal

Em acórdão da lavra do eminente ex-Ministro Joaquim Barbosa, manteve a obrigação do poder público de indenizar os proprietários pelas perdas que sofreram.

Assim sendo, neste particular é bom frisar a importância da prova pericial para que reste evidenciada a desvalorização e a perda patrimonial havida no imóvel tombado.

Então os proprietários devem se aterem a documentos que revelem: desvalorização do valor do imóvel; restrições edilícias sobre o terreno; surgimento de ônus e encargos com manutenção; reembolso de projetos arquitetônicos.

Ou seja, devem guardar provas documentais de todos os desembolsos que suportaram, etc.

Então o tombamento e o dever de indenizar é uma realidade prática.

XVII – Antecipação de tutela para depósito do valor do bem tombado

Certamente, como regra geral, o tombamento exige, a partir da sua vigência – que os proprietários dos bens tombados cumpram uma larga lista de obrigações sofram ônus. Como por exemplo:

  • Mantenham o imóvel ocupado, conservado e limpo.
  • Procedam restaurações necessárias evitando depreciações e danos ao bem.
  • Elaborem e a aprovem nos órgãos oficiais projetos prévios a qualquer obra, mesmo as mais corriqueiras.
  • Efetuem consultas prévias para destinação de uso do bem imóvel, sendo vedado alterações sem prévia autorização.
  • Não edifiquem sobre área nua nem acresçam áreas as áreas já edificadas.
  • Não modifiquem layouts, pintura, paisagismo ou mesmo jardinagem.  

a. O periculum in mora para suspender os efeitos do tombamento

Nestes casos, havendo tombamento com esvaziamento econômico do bem, sem prévia indenização, por mero ato administrativo, estará caracterizado o periculum in mora em favor dos proprietários

Inegavelmente porque o ato de tombamento acarreta prejuízos, tais como:

  • Aumento enorme e injustificado nos custos de conservação do imóvel tombado – com o acréscimo de uma onerosa burocracia para  a confecção de qualquer ato de manutenção do  bem tombado  – mesmo uma mera pintura, ou reforma de um muro, janela, teto ou parede  por exemplo;
  • Estas situações trazem ônus severos aos proprietários, ao ponto de nenhuma obra de manutenção ser realizada no imóvel sem o dispêndio de altos custos envolvendo projetos e mão de obra especializada;
  • Como já mencionado anteriormente, são aprovados pelos poder público e assinados por profissionais de sua escolha;
  • Além disto, há que se mencionar os incômodos burocráticos que envolvem qualquer reforma em um imóvel tombado, fazendo-se instalar um imenso desânimo em qualquer atitude no sentido de promover a conservação do bem;
  • Impossibilidade de manter o imóvel “em uso”, conforme obriga o ato de tombamento, tendo em vista que esta medida resta dificultada frente as exigências e limitações impostas ao imóvel, causando enormes dificuldades aos  proprietários na utilização do bem;
  • Ao mesmo tempo em muitos casos, o ato de tombamente exige que bem fique “ocupado”;
  • Impossibilidade e/ou dificuldade de recuperação destes investimentos se cumpridas as exigências e provida uma  demanda indenizatória, já que as ações de indenização contra o Estado – como sabido – se eternizam sem solução nos precatórios  não respeitados pelo Executivo.

b. Verossimilhança para supender os efeitos do tombamento

De fato vige em favor dos proprietários de imóveis tombados de forma onerosa, quando presente o esvaziamento econômico do bem, portanto, a verossimilhança do direito invocado.

Dessa maneira não há motivo para que os proprietários tenham que suportar o tempo de resposta dos entes estatais para exercer um direito seu – largamente exposto.

Em outras palavras, Direito material, como dito, já reconhecido por construção doutrinária e jurisprudencial exarada dos julgados dos tribunais superiores.

Assim sendo na linha de raciocínio, Luiz Guilherme Marinoni, parafraseando Giuliano Scarselli, fala a respeito:

Se o autor prova os fatos constitutivos, desincumbindo-se do seu ônus, não há razão para que ele tenha que sofrer os males do tempo que o réu utilizará para tentar demostrar os fatos alegados na exceção. Em outras palavras: ao autor não pode ser imposto o peso do tempo que serve unicamente ao réu”.[13]

c. Ônus da prova

Ademais, da mesma forma que o ônus da prova deve ser suportado pelos proprietários no fato constitutivo de seu direito e ao poder público nos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito destes

Inegavelemente tal critério deve ser utilizado vislumbrando o princípio de que o tempo do processo deve ser suportado pela parte que necessita da instrução da causa,

Ou seja, in casu, o Estado.

Como resultado, é sabido que o Estado possuí inúmeros prédios em estado de abandono e deterioração, sendo – via de regra – relapso e desidioso nas suas obrigações.

De fato não preserva o seu patrimônio (o qual não tomba) e impõe aos particulares, numa nítida quebra do princípio da isonomia.

De tal sorte que este fato pode ser observado inclusive em qualquer município brasileiro.

Desse modo não raro a imprensa torna estes fatos públicos e notórios.

Como resultado, relativamente ao tema, José Roberto dos Santos Bedaque parafraseia Teori Albino Zavascki, ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, assim dispondo:

“Entre os direitos fundamentais da pessoa encontra-se, sem dúvida, o direito à efetividade do processo, também denominado direito de acesso à justiça ou direito à ordem jurídica justa, expressões que pretendem representar o direito que todos têm à tutela jurisdicional do Estado. Essa proteção estatal deve ser apta a conferir tempestiva e adequada satisfação de um interesse juridicamente protegido, em favor de seu titular, nas situações em que isso não se verificou de forma natural e espontânea”.[14]

VIII. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre tombamento e o dever de indenizar

Assim sendo, sobre a possibilidade de concessão de tutela antecipada contra o Poder Público, vale transcrever decisão do Egrégio Supremo Tribunal Federal, verbis quando falamos sobre o tombamento e o dever de indenizar

a. Jurisprudência específica

“RECLAMAÇÃO N. 1514-9 – medida liminar, in DJU de 19.06.00, p. 05:

“DECISÃO: O ordenamento positivo brasileiro não impede a concessão de tutela antecipada contra o Poder Público.Esse entendimento – que admite a antecipação jurisdicional dos efeitos da tutela – resulta de autorizado magistério doutrinário (NELSON NERY JUNIOR/ ROSA MARIA ANDRADE NERY, “Código de Processo Civil Comentado”, p. 752, item n. 26, 4a ed., 1999, RT; SERGIO SAHIONE FADEL, “Antecipação da Tutela no Processo Civil”, p. 85, item n. 14, 1999, Saraiva; REIS FRIEDE, “Tutela Antecipada, Tutela Específica e Tutela Cautelar”, p. 195/196, item n. 18, 5a ed., 1999, Del Rey; J. E. S. FRIAS, “Tutela Antecipada em face da Fazenda Pública” in Revista dos Tribunais 728/60-79, 69-70; DORIVAL RENATO PAVAN/ CRISTIANE DA COSTA CARVALHO, “Tutela Antecipada em face da Fazenda Pública para Recebimento de Verbas de Cunho Alimentar”, in Revista de Processo 91/137-169, 145, v.g.).

Na realidade, uma vez atendidos os pressupostos legais fixados no art. 273, I e II do CPC, na redação dada pela Lei n. 8952/94 – e observadas as restrições estabelecidas na Lei n. 9494/97 (art. 1o) – tornar-se-á lícito ao magistrado deferir a tutela antecipatória requerida contra a Fazenda Pública.Isso significa, portanto, que juizes e Tribunais – sem incorrerem em desrespeito à eficácia vinculante decorrente do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal na apreciação do pedido de medida cautelar formulado na ADC 4-DF, Rel. Min. SYDNEI SANCHES – poderão antecipar os efeitos da tutela jurisdicional em face do Poder Público, desde que o provimento de antecipação não incida em qualquer das situações de pré-exclusão referidas, taxativamente, no art. 1o da Lei n. 9.494/97.

b. Caso de tombamento e dever de indenizar

Da mesma forma sobre o dever do poder público proceder à indenização que corresponda a recomposição das perdas suportadas pelo proprietário de bem imóvel tombado.

Sobretudo quando ocorre esvaziamento econômico do bem. Transcrevemos :

“RE 361127 AgR / SP – SÃO PAULO
AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA
Julgamento: 15/05/2012 Órgão Julgador: Segunda Turma

Ementa
Ementa: AVENIDA PAULISTA. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. TOMBAMENTO. SÚMULA 279. Na desapropriação indireta, destaca-se a dimensão individual do prejuízo sofrido com o tombamento. Demonstração, no acórdão recorrido, do dano especial sofrido pelo proprietário, o qual resultou no esvaziamento do direito de propriedade. Inviabilidade da pretensão recursal de reexame das premissas fáticas do acórdão (súmula 279 desta Corte). Agravo regimental a que se nega provimento.

Decisão

A Turma, por unanimidade, negou provimento”

XVIII. Considerações finais – tombamento de bens de particulares e o dever de indenizar

Dessa forma, por qualquer ângulo que se olhe, o tombamento de bens de particulares, quando efetuado de forma impositiva e/ou forçada e gerar obrigações, deveres, restrições edilícias, perdas econômicas ou qualquer outra onerosidade aos proprietários, gera em favor destes, também, o direito de serem devida, justa e previamente indenizados.

Essa indenização deve ser assumida pelo órgão público que provocou o ato de tombamento.

Com efeito, não sendo efetuado esse ressarcimento espontaneamente, de forma ampla e justa, os proprietários tem o direito de reivindica-lo em juízo, com a possibilidade de invocarem a antecipação de tutela.

Assim sendo, o tombamento e o dever de indenizar é uma realidade que merece ser considerada no sistema jurídico do Brasil.

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XIX. Bibliografia

[1] Telles, Antônio A. de Queirós. Tombamento e seu regime jurídico, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 69

[2] O Tombamento na Constituição Federal de 1988. Monografia a título de Curso de Pós-Graduação em Direto Administrativo. Orientador: Dr. Raulino Jacó Brüning. Blumenau, 1998

[3] Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda , Comentários à Constituição de 1967 , com a Emenda n. 1 de 1.969. Ed. RT, vol II, pág. 358.

[4] Diógenes Gasparini , Enciclopédia Saraiva do Direito , verbete “Tombamento” , Vol. II , pp. 17-18.

[5] Tombamento e seu Regime Jurídico , Ed. RT , pág. 73

[6] Obra citada , pág. 75

[7] Antônio  Queiroz Telles – Tombamento e seu  Regime Jurídico . Ed. RT. , pág. 83 .

[8] in Doutrina – Tombamento e Indenização – RT 600

[9] In. RT 709 – pág. 35/ 41

[10] In.RT563 – pág. 15/45

[11] In. RT 600 – pág. 14/18

[12] In. Obra citada – pág. 97/102

[13]  MARIONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. Revista dos Tribunais. 1999. 3ed, p. 54.

[14] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência: (tentativa de sistematização). São Paulo: Malheiros Editores. 1998, p. 285.

Luiz Carlos Nemetz
Advogado (OAB/SC 4.595)
lcnemetz@nkadvocacia.com.br

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