
A consolidação das plataformas digitais como canais centrais de circulação de informação e opinião, no contexto do Marco Civil da Internet, impôs novos desafios à proteção de direitos fundamentais, como a honra, a imagem e a dignidade da pessoa humana.
Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal (STF) recentemente decidiu sobre a constitucionalidade do artigo 19 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), que condicionava a responsabilidade civil das plataformas digitais à existência de ordem judicial específica para a remoção de conteúdos danosos.
Assim, o julgamento ocorrido em 26 de junho de 2025, envolveu dois Recursos Extraordinários com repercussão geral (RE 1.037.396 – Tema 987, e RE 1.057.258 – Tema 533), e resultou no reconhecimento da inconstitucionalidade parcial do dispositivo.
A maioria do STF decidiu que as plataformas podem ser responsabilizadas civilmente mesmo sem ordem judicial, desde que respeitados determinados parâmetros, que serão abordados nos tópicos abaixo.
Entenda os Casos
Tema 987 – Perfil Falso e Responsabilidade por Omissão Após Notificação
O primeiro caso discutiu a criação de um perfil falso no Facebook utilizado para ofender terceiros. Então, os responsáveis notificaram a plataforma por meio de seus próprios canais, mas ela não retirou o conteúdo. O Tribunal de Justiça de São Paulo, em grau recursal, condenou a empresa ao pagamento de indenização por danos morais.
O Facebook alegou ao STF que não poderia ser responsabilizado por não ter recebido ordem judicial para proceder a retirada do conteúdo ofensivo.
No entanto, o Ministro Dias Toffoli entendeu que esse modelo conferia uma imunidade desproporcional ao Facebook, contrariando os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da efetividade da tutela de direitos, especialmente quando há notificação prévia e omissão diante de ilicitude evidente.
Tema 533 – Comunidade Ofensiva e Dever de Ação Imediata
O segundo caso envolveu a criação de uma comunidade ofensiva na antiga rede social Orkut.
As autoridades notificaram a plataforma, que recusou a remoção e só agiu após decisão judicial.
Assim, o Ministro Luiz Fux destacou que a prévia notificação é suficiente para impor o dever de remoção, nos casos em que o conteúdo é flagrantemente ilegal, especialmente quando envolve crimes contra a honra, preconceito ou ameaças.
Então, esses precedentes firmaram a base para um novo entendimento: a responsabilidade das plataformas pode surgir com a inércia diante de conteúdos claramente ilícitos, desde que haja notificação adequada, e em casos específicos de crimes graves mesmo sem prévia notificação.
A Nova Regra: Quando a Plataforma é Responsável? – Marco Civil da Internet
Em primeiro lugar, a decisão do STF estabeleceu uma nova lógica prática para a responsabilização das plataformas digitais, detalhada a seguir:
1. Regra geral com notificação extrajudicial:
A Justiça pode responsabilizar civilmente a plataforma mesmo sem ordem judicial para retirada de conteúdo quando:
- Recebeu notificação prévia (judicial ou extrajudicial) de conteúdo ilícito;
- O conteúdo é manifestamente ilegal, ou seja, não há dúvida razoável quanto à sua ilicitude (ex: discurso de ódio, racismo, crimes graves envolvendo crianças e adolescentes, apologia ao crime etc.);
- Houve omissão na remoção ou demora injustificável.
2. Casos que dispensam notificação prévia:
Então, a plataforma tem obrigação de agir de ofício, mesmo sem notificação, nos seguintes casos:
Crimes graves com disseminação em larga escala, como:
- Crimes graves envolvendo crianças e adolescentes
- Incitação ao suicídio ou automutilação
- Discurso de ódio e atos antidemocráticos
- Terrorismo e tráfico de pessoas
- Divulgação de fake news com potencial lesivo evidente
Conteúdos impulsionados com monetização, inclusive:
- Publicações patrocinadas (ads);
- Conteúdos promovidos por bots ou redes artificiais de distribuição;
- Situações em que há controle editorial ou curadoria da plataforma.
Nessas hipóteses, o STF admite a presunção de responsabilidade objetiva, afastando a necessidade de notificação como pré-requisito.
3. Conteúdos reincidentes ou replicados:
Portanto, quando um conteúdo já foi removido por ordem judicial por violar a honra ou direitos de alguém, a plataforma deverá remover novas publicações idênticas, seja por notificação judicial ou extrajudicial, sem a necessidade de novas decisões judiciais.
Assim sendo, a plataforma deve ter sistemas de monitoramento mínimos para detectar e agir rápida e prontamente sobre a repetição de conteúdos ilícitos já reconhecidos judicialmente.
4. Contas falsas e disfarce de identidade:
Então, notificações extrajudiciais sobre perfis falsos ou contas utilizadas para ataque à honra autorizam a responsabilização da plataforma em caso de omissão.
Além disso, o STF considerou que o uso abusivo da identidade de terceiros exige resposta célere das plataformas.
Passo a Passo Prático para Responsabilizar a Plataforma – Marco Civil da Internet
- Identificação do conteúdo ilícito: avaliar se o conteúdo é claramente ilegal (ex: crime, violação de direito de imagem, crimes graves envolvendo crianças e adolescentes, etc.).
- Envio de notificação extrajudicial ou judicial à plataforma: com informações claras sobre o link, a data e a motivação da remoção.
- Verificação da omissão ou demora injustificada: se a plataforma não agir em tempo razoável, poderá ser responsabilizada civilmente.
- Dispensa de notificação: em casos de crimes graves, conteúdos pagos ou replicações evidentes, não é necessário aguardar resposta da plataforma para configurar a responsabilidade.
- Busca de reparação judicial: quando exigida notificação, caso não haja remoção ou retratação, o interessado pode ingressar com ação judicial pleiteando danos morais ou materiais.
Impactos no Mercado e nas Práticas das Plataformas
No entanto, a decisão do STF representa uma virada de chave para o modelo de responsabilidade civil aplicado às plataformas no Brasil. Na prática, as plataformas digitais precisarão:
- Implementar sistemas mais robustos de detecção e remoção de conteúdo ilícito;
- Fortalecer canais de recebimento e resposta a notificações extrajudiciais;
- Rever políticas internas de moderação, especialmente para conteúdos monetizados ou impulsionados;
- Aumentar a transparência de algoritmos e moderação, a fim de evitar omissões culposas que possam gerar condenações;
- Lidar com custos jurídicos e operacionais maiores, diante da ampliação de seu dever de vigilância.
Todavia, do ponto de vista jurídico, a decisão aproxima o Brasil de sistemas híbridos de responsabilização, semelhantes ao modelo europeu, em que a passividade diante da ilicitude manifesta é punida.
Conclusão – Marco Civil da Internet
Assim sendo, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, firmou um precedente com efeitos transformadores para o ambiente digital brasileiro.
Pois, a responsabilização das plataformas não se limita mais ao descumprimento de ordens judiciais: passa a alcançar hipóteses de omissão diante de notificações extrajudiciais e até situações em que a gravidade e evidência do conteúdo tornam dispensável qualquer provocação formal.
Então, A decisão busca equilibrar os valores constitucionais da liberdade de expressão com a proteção à honra, à imagem e à dignidade dos indivíduos, e ajustar o regime de responsabilidade civil à complexidade do ecossistema digital contemporâneo.
Ao mesmo tempo, impõe novas obrigações práticas e operacionais às plataformas, pressionando por mais eficiência, ética e transparência na moderação de conteúdos.
Além disso, para entender melhor as implicações legais das plataformas digitais, não deixe de conferir também o artigo da Dra. Analuza Lopes Nascimento, que aborda “Stalking: Perseguição e Perfis Fakes“.
A criação de perfis falsos, frequentemente usada em práticas de stalking, é uma das questões cruciais discutidas, e muitas vezes as plataformas digitais têm responsabilidade civil pela não remoção desses conteúdos.
Esse artigo explora como o Marco Civil da Internet impacta a responsabilização das plataformas, especialmente quando se trata de proteger a privacidade e a segurança dos usuários contra abusos digitais.
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Autora: Maria Eduarda Bof
Estagiária de Direito
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Autora: Julia Wuerges Rocha
Advogada (OAB/SC 58.478)
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Autor: João Felipe Nogueira Alvares
Advogado (OAB/SC 31.784)
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